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quinta-feira, 6 de abril de 2017

EM UM PAÍS QUE APLAUDE JAIR BOLSONARO, JOSÉ MAYER NÃO É UMA ABERRAÇÃO


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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
SE NÃO FOR o fim da linha, é um golpe e tanto para a carreira de José Mayer, ator da TV Globo acusado de assédio por uma figurinista nos bastidores da novela “A Lei do Amor”. Após atribuir os crimes ao seu personagem machão na novela, o galã de 67 anos precisou pedir desculpas pela “brincadeira” ao ver dezenas de colegas chegarem para trabalhar com uma camiseta com as inscrições: “Mexeu com uma, mexeu com todas”.
Foi Letícia Sabatella a primeira delas a se posicionar nas redes: “José Mayer não se emenda”. Em entrevista ao site Glamurama, ela fez o melhor resumo da questão: “Tudo isso faz parte da cultura do machismo. Pessoas que são bons pais, bons maridos e eventualmente bons colegas podem cair nessa esparrela”.
A reação ao episódio parece dar 

razão ao ator em ao menos um ponto de seu pedido de desculpas: “o mundo mudou”. Mas basta analisar com cuidado o noticiário do mesmo dia para perceber o caminho que ainda falta percorrer.
No mesmo dia, a Polícia Civil de Minas Gerais indiciou o cantor Victor Chaves da dupla Victor e Léo, por suspeita de agredir a mulher, que está grávida. Contra ele pesaram as imagens do circuito interno do prédio onde mora. Não fossem as imagens, a vítima estaria até agora tentando justificar as dúvidas levantadas desde o início do episódio sobre sua sanidade – como se uma acusação desse calibre trouxesse a ela algum benefício.
São casos e casos, mas nem Zé Mayer nem Victor Chaves estão sozinhos. Como lembra Sabatella, eles são parte de uma cultura – uma cultura na qual o machão da novela tem status de galã e protagonista e “Bruto, Rústico e Sistemático” é não só nome de música como sucesso na rádio.
Este caldo permite a um presidente, ex-vice decorativo, elogiar a perspicácia da mulher na hora de fazer compra no supermercadoem um dia de luta, o Dia da Mulher. Basta observar a montagem de seu gabinete para perceber o moral que as “representantes do mundo feminino” – grifo dele – têm em seu governo. Justo ele, que chegou ali pelos votos dados a uma mulher, que no tempo em que ocupou a Presidência não teve mais erros (e foram muitos) na condução da política e da economia que valeram tanto desconforto, com direito a encômios impronunciáveis, quanto o fato de ser mulher.
Isso diz muito, ou deveria dizer, sobre o país onde um ator global se sentiu à vontade para chamar uma figurinista de vaca e colocar a mão entre suas pernas.
Uma espiadela nos postos de comando, onde as hierarquias são referendadas, ajuda a expandir a questão. Tempos atrás, uma estudante registrou um boletim de ocorrência após ser espancada com socos e chutes e desmaiar. As agressões foram confirmadas por exame de corpo de delito, que apontou lesões na cabeça, boca, orelha esquerda, região dorsal, braço direito e joelho esquerdo”. O acusado era o senador Telmário Mota.
“Ele me humilhava na frente da minha filha. Dizia que eu não era mulher para estar em Brasília.”
Outro senador, Lasier Martins (PSD-RS), que ganhou projeção como repórter e comentarista de TV, precisou usar a tribuna, dias atrás, para se defender da acusação de agredir a companheira. Ela prestou queixa na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, em Brasília, onde afirmou ter sido agredida durante uma discussão. Também realizou exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) e disse a uma rádio que sua filha, de 10 anos, presenciou as cenas de agressão. “Ele me humilhava na frente da minha filha. Dizia que eu não era mulher para estar em Brasília”, afirmou.
Em 2016, Marco Feliciano, deputado símbolo da bancada religiosa, foi acusado de assédio por uma jovem – que passou a ser investigada por tentativa de extorsão. Já em 2017, uma vereadora de São Paulo foi xingada pelo colega Camilo Cristófaro de “vagabunda”. Segundo ele, não seria surpresa se ela tomasse uns tapas na rua.
Entre os possíveis presidenciáveis de 2018, se houver eleição ou país até lá, dificilmente haverá alguém que não respondeu a ao menos uma polêmica ou acusação relacionada à questão de gênero, para não falar da sexualidade. É o que une esquerda e direita num país de assimetrias tão escancaradas e tão pouco faladas. Um deles já atribuiu à companheira o papel unicamente de dormir com ele na campanha. Outro, conhecido pelos gracejos com repórteres mais jovens, precisou se refrescar com uma taça de vinho arremessada por uma senadora ofendida com a sua abordagem em uma festa. Outro já foi acusado de agredir a namorada em hotel de luxo – história até hoje mal explicada.
Entre todos eles, nenhum caso é tão simbólico quanto o do deputado Jair Bolsonaro, que cresce como alternativa contra tudo isso que está aí à medida que os chamados grupos tradicionais entram em colapso em razão da crise econômica e da Lava Jato.
Para Bolsonaro e companhia, crime não é só brincadeira: é merecimento calculado por atributo estético.
Num país onde crime é citado como brincadeira, Bolsonaro tem arregimentado apoio, sobretudo nas redes sociais, de quem confunde covardia com coragem de dizer verdades e luta de minorias com “ditadura do politicamente correto”. É a fórmula perfeita para a invenção de um “mito” salvador da pátria.
Entre as “verdades” do possível presidenciável estão não apenas platitudes sobre economia e sociedade, mas incitação ao ódio contra os grupos já historicamente violentados do país.
Em uma inacreditável entrevista concedida ao Estadão, ele prometeu, entre outras coisas, “explodir” o politicamente correto no Brasil. Para quem promete atirar na testa de militantes sem-terra, mas não faz um reparo aos gigantes responsáveis por corromper fiscais e vender carne podre no mercado, não estranha a nomeação, por parte do deputado, dos grandes males do país: “Acabaram com nossa alegria de viver, não pode fazer uma brincadeira, uma piada, tudo não pode, é preconceito. Tá aí as feministas, tá aí o LGBT, as minorias. Uma desgraça no Brasil”.
Bolsonaro, vale lembrar, se tornou réu, em março deste ano, por dizer em 2014 à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela não merecia ser estuprada apenas porque era “muito feia” – segundo o Ipea, mais de um quarto da população brasileira concorda que mulheres que usam roupas reveladoras merecem ser estupradas. Para Bolsonaro e companhia, crime não é só brincadeira: é merecimento calculado por atributo estético.
O discurso não impediu Bolsonaro de ser recebido com euforia e aplausos por um auditório lotado no clube Hebraica, no Rio de Janeiro, onde prometeu acabar com as reservas indígenas, com as comunidades quilombolas (“não servem nem para se reproduzir”) e restringir a entrada de refugiados no país. Ao mesmo público, disse que “fraquejou” ao ter uma filha mulher.
Para o deputado, é coisa de idiota querer debater “misoginia, homofobia, racismo, baitolismo”. Justo ele, acusado de xingar o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) de “queima-rosca” e “veadinho” durante uma sessão na Câmara.
O machão da novela jamais se restringiu ao núcleo da ficção. Faz estragos na vida real e sonha ser presidente. Os aplausos recebidos na Hebraica são mais do que um alerta. São sintomas de um país que transforma covardia e incitação do ódio em virtudes sob o selo de uma suposta virilidade. Alguém mais precisa se emendar?

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Matheus Pichonelli@M_Pichonelli
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Foto: Ramon Aquim/Mídia NINJA
A IDA DO DEPUTADO federal Jair Bolsonaro (PSC/RJ) ao Clube a Hebraica do Rio de Janeiro gerou muita polêmica entre nós, judeus brasileiros. A perplexidade decorreu tanto pelas frases racistas que proferiu quanto pela iniciativa de tão relevante instituição da comunidade judaica convidar uma personalidade ligada a um setor de extrema direita que se aproxima do fascismo para discursar e ser amplamente aplaudida pelo seu público majoritariamente judaico. Inconformados, mais de 200 jovens judeus do Rio de Janeiro se juntaram na frente do clube para denunciar a visita do parlamentar em um movimento que assumiu a hashtag #NãoEmNossoNome.
Um dos mais marcantes detalhes do cenário do discurso do deputado é que, atrás dele, aparecia com grande destaque a bandeira de Israel. Não parece raro que aqueles que advogam pelo Estado Judaico aplaudam e elogiem como um  “mito” um candidato que propôs cortar fundos de ONGs, armar a população e acabar com demarcações de terras para populações indígenas e quilombolas, afinal todas estas práticas são comuns em Israel.
Um detalhe que chamou a minha atenção foi ver que os jovens que protestavam do lado de fora do clube, mesmo mobilizados por ideais de esquerda e fortemente contrários à presença de Bolsonaro nesse espaço judaico, carregavam a mesma bandeira de Israel presente no palco onde o deputado discursou.
Eles cantavam “Judeu e Sionista não apoia fascista”. Para a maioria dos setores de esquerda, existe uma contradição entre “sionista” e “de esquerda”. Historicamente, esses se posicionam solidários à luta palestina e veem o movimento sionista como um dos últimos bastiões da colonização europeia no Oriente Médio.
Quando se conversa com sionistas de esquerda, é comum perceber que em quase todos os aspectos da política eles estão alinhados com a esquerda brasileira. Claro que há aqueles mais radicais e aqueles menos, da mesma forma como existe na esquerda. Porém, quando o assunto se torna a Questão Palestina, surge um grande abismo entre ambos os lados. Isso não é por acaso.
Desde pequenos, nós que somos criados dentro da comunidade judaica fomos expostos à bandeira de Israel e a um bombardeio de informações e apelos emocionais que buscam solidificar uma narrativa na qual Israel surge como a oportunidade para os judeus de atingirem a sua emancipação. Na educação sionista, seja de esquerda ou de direita, a bandeira de Israel é a bandeira da liberdade.
Obviamente que essa narrativa esconde o racismo que o sionismo trouxe enraizado de sua origem europeia e colonial. A partir do momento que Israel se define como democracia judaica exclui a possibilidade de outras minorias se sentirem parte do país.
A constante preocupação em manter uma maioria de judeus à força apenas comprova que, desde a sua origem, o Estado pretende servir a uma população específica. Para isso foi necessário expulsar forçosamente a população nativa palestina que lá habitava. A concretização da ideia de que seria apenas num espaço exclusivo, no qual judeus poderiam encontrar segurança, paz e liberdade, levou à criação de um regime excludente.
Independentemente se é de esquerda ou de direita, o que une a todos os sionistas é enxergar a sua judaicidade como uma característica inata e imutável. Algo com o qual se nasce, e que nunca alguém poderá apagar de sua essência. Nessa perspectiva, ser judeu é uma condição imposta e à qual os judeus têm que se acostumar ao longo de suas vidas. Por isso, apenas na segregação que haveria a  possibilidade de ser livre, já que a judaicidade se tornaria implícita e assumiria um lugar secundário.
Novas formas de judaísmo têm surgido pelo globo. São judeus que entendem sua identidade como algo socialmente construído e, portanto, forjado em conjunto e em relação com seus vizinhos. Jovens que não apenas não acreditam na segregação, mas, contrariamente a isso, só conseguem se ver como judeus a partir da troca de valores com outras culturas. Estes jovens, que não precisam de um Estado, acreditam que apenas na convivência plena num país laico e democrático – onde vivam lado a lado com os palestinos, gozando dos mesmos direitos – é que sua identidade judaica fará sentido. Ser judeu pode ser o que bem quisermos, e nossa relação com o mundo pode se construir a partir desta nova identidade.
Em tempos de Bolsonaros, Trumps, Le Pens e outros fascismos ganhando força, Israel torna-se cada vez mais uma referência para esses grupos de extrema direita.
No dia 26 de março, mais de mil jovens judeus saíram às ruas em Nova Iorque para protestar contra o encontro anual do AIPAC (lobby americano pró-Israel) e seu apoio ao governo Donald Trump. O grupo If Not Now, responsável pela mobilização, deixa claro na sua página que sua proposta é ser uma resistência judaica ao novo presidente norte-americano. Nessa manifestação não se viu nem uma única bandeira de Israel, pelo contrário, houve apelos em solidariedade ao povo palestino, ao movimento Black Live Matters e contra a violência policial dirigida a qualquer população.
Em tempos de Bolsonaros, Trumps, Le Pens e outros fascismos ganhando força, Israel torna-se cada vez mais uma referência para esses grupos de extrema direita, fazendo cair sua máscara progressista. O projeto do Estado de Israel inspira muito a formulação do pensamento destes políticos. Um Estado onde haja uma maioria planejada, onde o voto se torne irrelevante já que os resultados de todas as eleições estão expressos no próprio nome do regime: Democracia Judaica. No caso de Bolsonaro, basta acessar os registros feitos de sua última viagem ao país feita em 2016 nos quais demonstra como o Brasil deveria se inspirar no caráter bélico e nos sistemas de vigilância e controle impostos aos palestinos.
O que deixa a nós judeus brasileiros de esquerda inconformados vai além do discurso de  Bolsonaro em frente a uma bandeira de Israel. O problema real é perceber que, progressivamente, os tradicionais apoiadores do Estado judaico se aproximam do emergente fascismo e vice-versa, deixando a esquerda sionista num limbo cada vez mais explícito entre a esquerda antissionista e a direita pró-Israel. O dilema que vivemos hoje se expressa de maneira clara na ida de Bolsonaro à Hebraica. Será que essa instituição judaica, que é declaradamente sionista, errou ao convidar o deputado para discursar? Ou será que isso era o esperado vindo de um grupo que apoia as políticas segregacionistas do Estado Israel? Talvez tenha chegado a hora de aposentar a bandeira azul e branca. Quem sabe, para atingir a verdadeira emancipação judaica, o que realmente precisamos é nos emancipar da narrativa sionista e de Israel.

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