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terça-feira, 19 de abril de 2016

Questão de semântica. Por Luis Fernando Veríssimo.



Muitos votarão pelo impeachment e não se envergonharão do que fizeram. Mas muitos não escaparão de ver ao seu lado, no espelho, a figura sorridente do Eduardo Cunha. Para sempre 


O GLOBO


Quando o Eduardo Cunha alegou que não tinha mentido sobre suas contas na Suíça porque o que tem na Suíça não são contas, mas trustes que pode acessar como se fossem contas, e ninguém riu, ou perguntou se era certo um cínico declarado presidir a Câmara nacional ou comandar um movimento pelo impeachment da presidente da República, estava, sem querer, dando o mote destes dias. Tudo se resume numa questão de semântica.

Dinheiro em trustes é a mesma coisa que dinheiro em contas? Questão de semântica. 

O pretexto “oficial” para derrubar a Dilma é o uso das tais pedaladas fiscais. 

Além da controvérsia sobre a legitimidade de governos recorrerem ao recurso emergencial, tivemos o estranho caso do Tribunal de Contas da União, que depois de um longo e profundo sono, do governo Getúlio Vargas ao governo atual, durante o qual não julgou ou sequer examinou as contas de nenhuma — nenhuma — administração, acordou justamente para julgar as contas da Dilma, por coincidência. E desaprová-las, por nenhuma coincidência. 

É na discussão das pedaladas que a semântica entra com mais força, embora, a esta altura, não decida mais nada. 

O “crime” do qual a Dilma está sendo acusada é crime ou não é crime, eis a questão. Se é crime, já é um crime tradicional, no Brasil, onde vem sendo cometido através dos anos. 

Pena que o TCU estivesse dormindo em vez de examinando as contas do governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, quando o recurso foi usado com abandono, apenas com outro nome. 

Se pedalada não é crime, a Dilma é inocente como um, sei lá. Como um Fernando Henrique.

 Mas é claro que as supostas manobras fiscais são pretextos para um final que vem sendo urdido desde que o povo brasileiro teve a audácia de dar mais votos para a Dilma do que para o Aécio.

 No dia seguinte às eleições começava o movimento do impeachment. Ou o golpe. Questão, de novo, de semântica.

Seria bom se as pessoas pudessem se encontrar, de vez em quando, com sua própria posteridade. Olhar um espelho mágico e ver como ficou sua imagem na História. 

Não tenho dúvidas de que muitos votarão pelo impeachment com convicção e não se envergonharão do que fizeram. 

Mas muitos não escaparão de ver ao seu lado, no espelho, a figura sorridente do Eduardo Cunha. Para sempre.

Luis Fernando Verissimo é escritor


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