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sábado, 10 de outubro de 2015

Nobel de Física para a explicação sobre neutrinos, a partícula fantasma

                             El País
07/                       10/2015

O                          momento de anúncio dos ganhadores / AFP (REUTERS/LIVE)



O japonês Takaaki Kajita e o canadense Arthur McDonald receberam nesta terça-feira o Prêmio Nobel de Física pela descoberta da oscilação dos neutrinos, o que demonstra que essas partículas têm massa.
A descoberta de ambos os físicos “mudou nossa compreensão do funcionamento mais profundo da matéria e pode ser crucial para nossa visão do universo”, disse a Academia de Ciências da Suécia, que concede o prêmio anualmente.
Kajita trabalha no experimento Super-kamiokande e é afiliado à Universidade de Tóquio. McDonald é vinculado à Queen's University do Canadá.

                        

    A cada segundo, trilhões deles atravessam nosso corpo, nossas casas e o resto do planeta sem deixar rastro, por isso ganharam o apelido de fantasmas. Parte deles é criada na atmosfera terrestre com a incidência da radiação cósmica, outra parte é produzida em reações nucleares dentro do Sol. Os únicos lugares onde são visíveis é em enormes detectores instalados debaixo de montanhas, em velhas minas e outros lugares naturalmente protegidos de qualquer tipo de interferência por parte de outras partículas mais pesadas. 
    Os neutrinos são tão rápidos e leves que se pensava que não tinham massa. Até as descobertas de McDonald e Kajita, calculava-se que grande parte deles desaparecia sem explicação possível.
    Kajita observou a oscilação dos neutrinos graças ao Super-kamiokande, uma enorme piscina com dezenas de milhares de toneladas de água construída a um quilômetro debaixo da terra no Japão. Em algumas ocasiões, quando um neutrino atravessa a água, interage com os elétrons desse líquido lançando um brilho que permite capturar e estudar uma foto instantânea dessas esquivas partículas.
     Kajita se concentrou nos neutrinos que chegam da atmosfera e observou que oscilam entre dois estados ou identidades diferentes. McDonald trabalhou a mais de dois quilômetros debaixo da terra, em uma antiga mina de níquel em Ontário transformada no Observatório de Neutrinos de Sudbury.
     Graças a essa instalação, comprovou que os neutrinos produzidos no Sol não estavam desaparecendo em seu caminho para a Terra, mas ao chegar a ela simplesmente tinham oscilado, mudando de identidade.
    Isso explicou por que, até o momento, os cálculos teóricos mostravam que dois terços dos neutrinos que deveriam chegar à Terra não eram detectados pelos experimentos. 
    As descobertas de ambos os físicos explicam que essas partículas não desaparecem, mas oscilam entre três formas ou identidades diferentes que os físicos chamam sabores, um fenômeno baseado na mecânica quântica. As descobertas de Kajita e McDonald também permitiram demonstrar que, apesar de sua presença fantasmagórica, os neutrinos têm massa, ao contrário do que se pensou durante décadas.
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    Os neutrinos são tão invisíveis que, para vê-los, os cientistas têm que montar seus enormes detectores em locais insólitos, como a Antártida. Junto à base científica norte-americana Amundsen Scott está incorporado, em um quilômetro cúbico de gelo, o detector IceCube
    Sua função é captar estas partículas elementares geradas fora do Sistema Solar, chamadas neutrinos cosmológicos ou astrofísicos. Os cientistas deste peculiar telescópio anunciam agora, na revista Science, que captaram 28 neutrinos altamente energéticos e com propriedades específicas que permitem descartar que possam ter sido produzidos no Sol ou na atmosfera terrestre.
     “É o amanhecer de uma nova era da astronomia”, afirma o cientista norte-americano Francis Halzen, cientista de Universidade de Wisconsin-Madison, responsável e pai do IceCube.
    Os cientistas ainda não podem determinar quais foram os fenômenos concretos que emitiram esses neutrinos pescados na Antártida, pois o fluxo ainda é pequeno. 
    Mas as teorias indicam que devem proceder de explosões estelares de supernova, de buracos negros, de galáxias ativas ou de outros fenômenos extremos.
    Por cada centímetro quadrado da Terra passam bilhões de neutrinos por segundo -e pelo corpo de todos nós também. Mas nem parece que eles existem. 
    Estas partículas mal interagem com a matéria, o que lhes permite atravessar sem se deixar abater e, como são neutras, não desviam dos campos magnéticos. 
    Mas são geradas em processos físicos fundamentais e em quantidades enormes. 
    A maioria dos neutrinos que atravessam nosso corpo de forma imperceptível são gerados no Sol, nas interações dos raios cósmicos na atmosfera ou na radioatividade natural. 
    Também se produzem nos reatores nucleares e em aceleradores de partículas, como o PS do CERN (Organização Européia para a Pesquisa Nuclear).


    Labor                  rio do detector de neutrinos I
    ceCube,                  na base Amundsen Scott na Antártida. 
    SVEN            LIDSTROM, 
    ICEC              UBE/NSF





    Como são tão fantasmagóricas, conseguir detectar estas partículas quase sem massa e que viajam quase à velocidade da luz exigem dos cientistas autênticas proezas tecnológicas e muita imaginação.
    O IceCube se constitui de 86 cabos onde estão montados 5.160 módulos ópticos capazes de ver minúsculos flashs de luz azul (chamados Cherenkov) emitidos quando, bem de vez em quando, um neutrino interage com o gelo. 
    Esses 86 cabos estão distribuídos em um quilômetro cúbico de gelo da Antártida a uma profundidade entre 1.450 e 2.450 metros. 
    A construção do telescópio com a instalação de todos os dispositivos eletrônicos e a transmissão de dados para análise (da Antártida à Universidade Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos), levou sete anos para ser concluída, dadas as condições extremas do Pólo Sul. 
    Custou 618 milhões de reais (271 milhões de dólares) e começou a funcionar em 2010. Seu objetivo é medir o fluxo de neutrinos cósmicos e localizar no universo as fontes que os emitem.
     O IceCube é o maior detector desse tipo no mundo, embora exista o projeto de construir um maior ainda no Mediterrâneo, na água marinha ao invés de gelo.
    Em 2012 os cientistas do IceCube detectaram dois neutrinos super-energéticos, com mais de 1000 teralectronvoltios (TeV), tão queridos pelos físicos que lhes batizaram de Ernie e Bert (referentes aos simpáticos personagens Beto e Ênio, na versão brasileira), em honra à série de televisão norte-americana Vila Sésamo. 
    Porém, divulgaram há poucos meses a descoberta. Durante este período, entre maio de 2010 e maio de 2012, analisaram a fundo os dados e descobriram outros 26 neutrinos de energia superior a 30 TeV. Os dados preliminares foram apresentados em junho.
    “Esta é a primeira indicação de neutrinos de alta energia procedentes de fora do Sistema Solar. 
    A energia deles é mais de um milhão de vezes superior à dos neutrinos observados em 1987, relacionados com uma supernova vista na galaxia Grande Nuvem de Magalhães”, explica Halzen. 
    Os neutrinos daquela supernova de 1987 entraram para a história da ciência, já que foram os primeiros associados diretamente a um fenômeno como este e proporcionaram informação importante, não só sobre a estrela que explodiu na supernova (que deve ter virado um buraco negro), mas também sobre os próprios neutrinos.
    “Os neutrinos são excelentes mensageiros dos fenômenos que envolvem os mais altos níveis de energia do universo porque, ao contrário da luz, eles escapam facilmente de meios extremamente densos, como o centro de uma supernova”, explicam os pesquisadores do laboratório alemão DESY, participantes do IceCube.
     “Por exemplo, os neutrinos de 1987 chegaram à Terra três horas antes que os fótons de luz, porque previamente estes tiveram que abrir caminho na supernova”, acrescentam. Ernie e Bert têm mais de mil TeV e isso é mais que a energia cinética de uma mosca em voo, comprimida em uma única partícula elementar, acrescentam os especialistas alemães.
    “A era da astronomia de neutrinos começou”, afirma Gregory Sullivan, chefe da equipe da Universidade de Maryland que trabalha no IceCube.
     John Learned, da Universidade do Havaí, que em 1973 propôs montar um detector similar no oceano, também concorda com a afirmação de Sullivan. 
    O trabalho já começou -e com o pé direito. “IceCube é um telescópio astrofísico único e fantástico, construído no gelo profundo da Antártida, mas que olha para todo o universo, detectando neutrinos que chegam atravessando a Terra desde o céu do hemisfério Norte e também os que procedem do Sul”, diz Vladimir Papitashvili, responsável pela Fundação Nacional da Ciência norte-americana, que financiou a grande instalação científica.
    Há 250 físicos e engenheiros de 12 países colaborando no IceCube e 16 universidades norte-americanas participantes do projeto.

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