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terça-feira, 24 de março de 2015

“A culpa é de Obama”?




O balanço da intervenção das potências ocidentais é igualmente catastrófico para os povos do mundo árabes


por Serge Halimi



Estava certo aquele político de Illinois que achava desde outubro de 2002 que uma invasão do Iraque “só faria atiçar as chamas no Oriente Médio, encorajar no mundo árabe os piores impulsos e reforçar o braço recrutador da Al-Qaeda”? 

Ou teria sido mais visionário que ele o então vice-presidente dos Estados Unidos, que prometeu que os exércitos norte-americanos seriam “acolhidos como libertadores”?

No entanto, é o segundo, Dick Cheney, que acusa hoje o primeiro, Barack Obama, de ter agido no Iraque como um traidor disfarçado de cordeiro e conclui com um arremate singular: 

“Raramente um presidente dos Estados Unidos terá se enganado tanto a respeito de tantas coisas em detrimento de tanta gente”.1

Obama exclui por ora o envio de batalhões norte-americanos contra as forças jihadistas que controlam uma parte do Iraque (ler mais na pág. 30). 

Mas ele aceitou despachar trezentos “conselheiros” militares para o regime de Bagdá, informando ao mesmo tempo que o primeiro-ministro Nouri al-Maliki deveria ser substituído. 

Há cerca de sessenta anos, os Estados Unidos já tinham fornecido “conselheiros militares” para um regime autocrático e corrompido: o do vietnamita Ngo Dihn Diem.

 Um dia, exasperado pela ingratidão de seu protegido, eles o deixaram morrer (ou fizeram que morresse). 

A sequência explica talvez a reticência atual do povo norte-americano em alinhar o passo com os partidários da ida para a guerra: a escalada militar, o abrasamento de toda a Indochina, vários milhões de mortos.

O balanço da intervenção das potências ocidentais é igualmente catastrófico para os povos do mundo árabe. 

Sovinas quando poderiam contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Tunísia ou do Egito renunciando, por exemplo, a seus empréstimos, não se incomodam com os gastos quando precisam destruir o inimigo do dia, invocando contra ele os grandes princípios humanitários − os mesmos que não aplicam jamais a seus protegidos regionais: nem a Israel, nem ao Catar, nem à Arábia Saudita.2

Em 13 de junho,o presidente Obama imputou ao país devastado pelos Estados Unidos a responsabilidade da tragédia que ele vive: “Ao longo da década transcorrida, as tropas norte-americanas consentiram em fazer grandes sacrifícios para dar aos iraquianos uma chance de construir seu próprio futuro”. Deturpando assim a história, ele encorajou os neoconservadores, para quem cada desengajamento de Washington vem a precipitar o declínio norte-americano, o caos universal.

A guerra do Iraque estava “ganha”antes que o atual presidente entrasse na Casa Branca, repete agora o senador republicano John McCain. 

Segundo ele, toda crise internacional se resolve pelo envio de marines. Em 15 de março, ele exigiu tropas norte-americanas na Ucrânia. E, em 13 de maio, uma intervenção militar na Nigéria. 

Em 2002, Obama não queria “atiçar as chamas no Oriente Médio”. Saberá ele se mostrar igualmente perspicaz nos meses que estão por vir?  

Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

Ilustração: White House


1  Richard e Liz Cheney, “The collapsing Obama doctrine” [A doutrina Obama em colapso], The Wall Street Journal, Nova York, 18 jun. 2014.

2 Ler “Impunité saoudienne” [Impunidade saudita], Le Monde Diplomatique, mar. 2012. No Catar, dezenas de milhares de trabalhadores estrangeiros atuam em condições próximas da escravidão nos canteiros de obras da Copa do Mundo de 2022.

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