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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Desigualdade continua diminuindo no Brasil / NERI: BOLO CRESCE E CRESCEMAIS NA BASE


Do Conversa Afiada


15/09/2014

Quem está lá cima nao percebe o fermento na base




Mariana Mainenti e Sonia Filgueiras do “Brasil Econômico” entrevistaram Marcelo Neri,  Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos:





Um dos mais respeitados estudiosos do tema da pobreza no Brasil, o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Marcelo Neri, revela que a desigualdade no país voltou a diminuir, apesar do baixo crescimento. 

E poderá mostrar os melhores resultados dos últimos dez anos. 

“Em 2014, a desigualdade observada está caindo no ritmo de um relógio”, comparou o ministro em entrevista ao Brasil Econômico. 

Além de explicar que existe um descolamento entre as séries econômicas mais tradicionais, em particular o Produto Interno Bruto (PIB), e as séries de indicadores baseados em renda, ele afirma que há uma “mudança profunda” ocorrendo no país, que não é mostrada pelos números macroeconômicos. 



Estamos em uma situação de crescimento lento há algum tempo. Isso está prejudicando os ganhos sociais obtidos nos últimos anos?

Até agora não, de uma maneira até surpreendente. Na verdade, existe um descolamento entre as séries econômicas mais tradicionais, em particular o PIB, e as séries de indicadores baseados em renda — a começar pela própria média de renda desde o fim da recessão de 2003 para cá. 

O PIB cresceu 27,8 %, a renda média na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) cresceu 51,7%. Uma diferença de 24 pontos percentuais, quase o dobro de 2003 a 2012. Mas em 2012, por exemplo, a renda da Pnad cresceu 9% e o PIB cresceu 1%. A diferença foi até maior.

 Se dermos sequência com os dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), que não são tão abrangentes do ponto de vista geográfico e do conceito de renda, veremos um descolamento ainda maior. 

O fenômeno do descolamento entre séries econômicas e sociais também fica mais forte quando incorporamos, por exemplo, a renda mediana per capita — a renda do João, ou da Maria. Ela cresceu 78% de 2003 a 2012. 

Já a renda dos 10% mais pobres, cresceu ainda mais: 106,6%. Ou seja, nesse período, a Pnad média cresceu quase duas vezes mais que o PIB. 

A renda mediana, que já incorpora um pouco do efeito-desigualdade, cresceu três vezes mais que o PIB. E a renda dos 10% mais pobres cresceu quatro vezes mais que o PIB. No período recente, eu diria que esse descolamento é ainda maior, considerando os dados da PME. 

Por duas razões: primeiro, há um descolamento do mercado de trabalho — muitos têm falado sobre isso (referindo-se ao baixo desemprego, apesar do fraco desempenho econômico). Em segundo lugar, a desigualdade segue em queda, uma queda bastante forte. 

Eu diria que, em 2014, a desigualdade observada está caindo no ritmo de um relógio. De acordo com a PME, ela está caindo 0,1 ponto percentual por mês, todos os meses de 2014, até julho, como um relógio. 

Eu estou fazendo o cálculo só com quatro regiões metropolitanas da PME. São os dados disponíveis, ainda não temos as seis regiões por causa da greve do IBGE. Em minha avaliação, é até uma medida conservadora. 

Se incorporarmos o aumento do Bolsa Família (o governo anunciou a correção de 10% nos benefícios do programa), que é um programa bem focalizado nos mais pobres, o efeito vai ficar maior. É a maior queda dos últimos dez anos.



Em 2014 poderemos ter, então, a maior queda da desigualdade…



Dos últimos dez anos. Já estamos tendo — pela PME, com as limitações que ela tem. As indicações já mostram isso. O efeito pode se refletir na Pnad 2014, ou não.

 Mas a PME mostra uma queda. Na verdade, a desigualdade vem caindo desde 2001. O ano excepcional foi 2004, foi o começo do crescimento com redução da desigualdade.

 Em 2012 (última Pnad disponível) observamos uma estabilidade no Gini (Índice de Gini, que mede a desigualdade na distribuição de renda), mas que precisa ser relativizada. O Gini ficou parado porque a renda dos 5% mais ricos cresceu. 

A partir de março de 2013, ele voltou a cair, considerando os dados da PME. Agora, desde o começo do ano está caindo ainda mais. Essa marca de redução da desigualdade continua. Também diria que o crescimento da média da renda do trabalho, que teve alguma desaceleração em 2013, voltou. 

(…)





Há uma série de medidas que foram tomadas, como a desoneração da folha (de pagamentos) e a desoneração da cesta básica. Não se tem o contrafactual que nos mostre qual seria o mercado de trabalho caso não tivessem sido tomadas — e tem gente que fala: “Isso não ajudou a relançar a economia”. 

Mas eu digo: talvez tenham ajudado a proteger os ganhos sociais. Há os efeitos de uma política educacional, ênfase no ensino técnico, uma recuperação de salários, que é função também do efeito educação. E há um crescimento da média da renda das pessoas, a despeito da desaceleração do crescimento do PIB.



Tem aí um conflito capital x trabalho, não?



Mas que não é tão grande. O bolo está crescendo, mas crescendo mais na base. Tem mais fermento na base. Os ganhos foram maiores na base do que topo. A participação do trabalho na renda subiu quatro pontos de porcentagem nos últimos anos, mas não é uma revolução. É uma mudança. Uma mudança benigna. Ninguém teve perdas absolutas. 

(…)



Estamos em recessão?

O brasileiro não está em crise. O desemprego está num nível historicamente baixo. A inflação é um problema? É um problema, sem dúvida, a gente não pode descuidar dela, mas estão ocorrendo ganhos do salário real.

(…)

Quanto está crescendo? O que está por trás do crescimento? É crescimento de produtividade? Afirma-se que há um cenário insustentável de crescimento da renda, do salário real em relação à produtividade.

As pessoas falam: “A produtividade no Brasil está crescendo menos do que o salário”. Eu falo: “Não é verdade!”. Sei que sou uma voz dissonante, mas pego as séries nominais: estão crescendo à mesma taxa. Eu apanho à beça porque falo isso. Mas faz parte.




E do ponto de vista do resultado, o sr. acha que está muito bem…



Até agora, até julho de 2014 o resultado social, o bem-estar da população, tal como medida de bem-estar, é o seguinte: se olharmos para a média, o desempenho é ok; se olharmos para os mais pobres, o desempenho é muito bom; e se olharmos para o topo da distribuição, é um desempenho ruim, porque a desigualdade está caindo.


(…)




O governo vive hoje uma situação de restrição fiscal e os analistas apontam que os gastos que mais aumentaram foram os sociais. Discute-se que tem que haver uma nova regra do salário-mínimo. Que risco esse debate representa para os ganhos?



O ponto importante que não tem sido enfatizado é que dispomos de uma tecnologia que consegue conciliar restrição fiscal e entrega de resultado de uma maneira muito boa, que é o Bolsa Família, e principalmente depois dos upgrades que foram feitos, como o Brasil Sem Miséria. 

Apostar mais nessas tecnologias é uma maneira de lidar com essa restrição fiscal. O Bolsa Família custa 0,53% do PIB. Uma expansão do programa como tivemos este ano não impacta quase o orçamento, mas pega 25% da população mais pobre.

 Há no Brasil uma busca por novas tecnologias sociais. A restrição fiscal te obrigar a usar as melhores tecnologias, o que é muito bom.




Em suas análises, o sr. mostra como o Bolsa Família e a ascensão à classe média ajudaram a movimentar a economia. É possível manter esse movimento?



Estou apresentando um trabalho que mostra o efeito multiplicador do Bolsa Família sobre o trabalhador por conta própria, sobre o empreendedorismo na base, que é um aspecto ligado à oferta (agregada da economia). 

Os resultados são muito interessantes. O Bolsa Família gerou um aumento de 10 pontos de percentagem no empreendedorismo entre os beneficiários.  

(…)

O nosso Gini ( que mede desigualdade de renda – PHA) ainda é o 18º em 155 países do mundo. Temos uma desigualdade muito grande. Temos a foto (a situação) e o filme (o processo de melhora). 

As fotos brasileiras ainda são muito ruins. É por isso que esse debate não pode ser abandonado. Eu discordo da visão de que “desde 2001 a desigualdade está caindo, fizemos o nosso trabalho”. Não, a missão não está terminada. Temos agora que incorporar novos ingredientes a esse arsenal de políticas e acho que são elementos de oferta. 

(…)


Se a sua renda subiu de R$ 1 mil para R$ 2 mil e você sabia viver com R$ 1 mil, sobrevivia, é uma mudança gigantesca. E o que está por trás dessas mudanças é que as mulheres estão tendo menos filhos, esses filhos estão indo para a escola, depois estão conseguindo emprego, com carteira assinada.

 Há um ganho estrutural que as pessoas não estão percebendo. Tem analistas que só ficam olhando para as contas nacionais. Se você olha para as pesquisas que vão à casa das pessoas ou conversa com as pessoas, vai ver que, na base da distribuição, tem uma mudança na distribuição dos ativos. Ela já aconteceu e agora precisa continuar.

(…)



A agenda da SAE é tornar mais sólida essa transformação?



Temos o desafio, por exemplo, de uma agenda de educação na primeira infância, que é fundamental. A maior taxa interna de retorno social é uma educação de primeira infância bem feita. Inclusive beneficia as mães. 

Está fazendo uma política de creches por causa das mães ou das crianças? Resposta: todas as alternativas acima, embora eu confesse que a minha preocupação maior seja com as crianças.

 O que me fez vir trabalhar no governo foi uma reunião da qual participei na transição, como convidado externo, na qual eu comecei a ver ênfase sobre crianças, sobre novas tecnologias. 

Eu cutucava o Ricardo Paes de Barros (especialista no estudo da pobreza e subsecretário de Ações Estratégicas da SAE), a meu lado: “Você tá ouvindo isso? Pode ser que não seja verdade, mas o que você queria ouvir melhor do que isso?”. 

Saí e falei: “Pode ser que nada disso seja implementado. Mas eu vi uma direção aqui muito interessante”. E essa direção está sendo assumida: construção de creches, o Brasil Carinhoso — um desenho de política voltado para as crianças, e que ajuda as mães das crianças a arrumarem emprego.

 É um programa de creche bem desenhado, resultado de pesquisas aqui da SAE, que aumenta a renda permanente das mães em R$ 180. Eu estou falando de uma agenda ligada às pessoas. Mas ela não está descolada da agenda de crescimento da economia.




Por que é difícil ver as mudanças?



Se há pessoas que não conseguem enxergar o grau de profundidade da mudança estrutural que está havendo, talvez seja por estarem muito distantes da base.

 Como no Brasil ainda tem muita desigualdade, às vezes quem está em cima olha e pensa: “Esse sujeito aí está morando num barraco, ganhando Bolsa Família…”. Mas você vai conversar com esse sujeito, ver o que as pesquisas mostram.

 “Qual a sua prioridade? Quer comprar carro? 

Não, quero ir para a faculdade. Eu não vou conseguir ir, mas a minha filha vai”. 

Você vai na outra casa e pergunta: “Você tem computador?”. “Não, mas a minha filha tem. Ela está fazendo curso técnico”.

 Tem uma mudança profunda na base do Brasil. O Brasil do novo milênio é o Brasil antigo. Esse é o Brasil que prosperou. Mas precisa prosperar mais. Aqueles que querem entender o Brasil sem olhar para a base ou sem olhar a cabeça das pessoas, vão ter dificuldades.


O sr. vê a inclusão nas agendas dos três principais candidatos à presidência?



Prefiro não me posicionar em relação a nenhum candidato, prefiro olhar para a sociedade como um todo. A sociedade brasileira nunca teve uma medida de desigualdade tão baixa, de polarização tão baixa. 

Melhorou desde 2001 e estamos, de fato, no melhor nível de escolarização, de desigualdade. Mas não se pode ter complacência em relação a isso. Não estamos muito melhor do que estávamos 50 anos atrás. 

Pioramos muito durante o milagre (econômico), um pouco nas décadas posteriores, depois melhorou. Se o Brasil está melhorando, e somos uma democracia, é porque a população quer ou de alguma forma apoiou isso.




O sr. sempre menciona o otimismo do brasileiro. Esse traço se mantém?

Nós acabamos de levantar os dados de 2014, do Gallup. Nas nove vezes que a pesquisa foi a campo (de 2006 a 2014, maio de 2014 foi a última) o brasileiro é o que dá a maior nota de satisfação para a sua vida daqui a cinco anos. 

A última nota foi 8,8. A de 2013 foi 8,8 também. Nunca deixou de ser o primeiro lugar. Os jovens, esses mesmos que participaram das demonstrações, nunca deram uma nota abaixo de 9 na média. 

O brasileiro é assim. Eu sou brasileiro, sou otimista, positivo sobre o futuro e detestaria morar num país com pessoas pessimistas. Mas acho que um dos problemas do Brasil é que o brasileiro é muito otimista.




É um problema?



Para a SAE, até certo ponto, é um problema. Porque como você vai convencer o sujeito a fazer a tal poupança financeira, investir mais em educação? É uma contradição em termos. 

Agora, se você fala para o brasileiro dar uma nota para o país, para a cidade, a nota é bem pior. Nós somos otimistas sobre a nossa própria vida, somos otimistas e individualistas. Precisamos fazer a construção coletiva.

 Precisamos de uma combinação: sem perder essa positividade, sermos mais prudentes, investir mais. Isso (o otimismo) talvez atrapalhe. Os nossos grandes problemas hoje são problemas coletivos, de relacionamento. 

O problema da violência, por exemplo: precisa envolver três níveis de governo. O transporte urbano também envolve um problema coletivo de coordenação. São questões de coordenação entre governos e com a sociedade. 

Não é trivial. A boa notícia é que o Brasil vem mudando. Eu tenho presenciado em cada Pnad essa transformação. Foi surpreendente. No começo da década, o gráfico da desigualdade era como o eletrocardiograma de um morto, não se mexia. Aí, ano após ano ela vem caindo, com crescimento da renda das pessoas.

(…)




O sr. falou da preocupação com poupança. Que instrumentos a SAE estuda para incentivá-la?

É necessário ter uma mudança cultural e de oferta de dispositivos (de poupança), de educação financeira para mudar a cultura, para as pessoas usarem melhor esses dispositivos. 

Um desses instrumentos é curso de educação financeira vinculada ao ensino médio. Precisamos de uma agenda de microcrédito na base da distribuição.

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