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domingo, 1 de dezembro de 2013

Canotilho defende segundo julgamento em causas penais


Da Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2013

Os réus da Ação Penal 470, o mensalão, têm alguma razão ao reclamar por um segundo julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. 

A opinião é do jurista português José Joaquim Gomes Canotilho, que veio ao Brasil para participar do lançamento da obra Comentários à Constituição do Brasil, livro do qual foi um dos coordenadores científicos, ao lado do ministro do STF Gilmar Mendes, do procurador de Justiça e professor Lênio Streck e do professor Ingo Sarlet. 

Canotilho falou ao repórter Ricardo Mendonça, do jornal Folha de S.Paulo.

Canotilho, que é doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, é professor catedrático da mesma instituição e professor convidado da Universidade de Macau, e tem seu nome citado como referência em mais de 500 decisões do STF, incluinoi o próprio caso do mensalão. 

Para ele, que disse não ter acompanhado o caso em detalhes, também é válida a reclamação em relação à atuação institucional do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal e relator do caso.

Canotilho defendeu, como disse fazer em debates sobre a Constituição portuguesa, que investigação e acusação fiquem a cargo de órgãos diferentes em processos de Direito Penal. 

Em relação à Constituição brasileira, que completa 25 anos em 2013, José Joaquim Gomes Canotilho apontou a resposta dada pelo texto aos desafios causados pelo momento por que o país passava quando de sua edição, mas citou exageros semelhantes aos encontrados na Constituição portuguesa.

Leia, abaixo, trechos da entrevista. A íntegra pode ser acessada no site da Folha.

O senhor acompanhou o julgamento do mensalão? Que balanço faz?


Eu estava aqui — no Brasil — quando ocorreu a primeira audiência. E fiquei com a ideia de que a política é a arte mais nobre dos homens, desde que colocada a serviço das pessoas e da humanidade. 

Mas a política também tem mãos sujas, como dizia Albert Camus. Há mãos sujas porque a política implica, muitas vezes, a cumplicidade com atos abjetos, com programas que nós nem sempre consideramos os melhores em termos de moralidade, em termos de valores republicanos. 

E por isso é uma atividade que tanto pode ser criadora de confiança, quanto pode ser criadora de desconfiança. E aqui no Brasil, o que se cimentava era a desconfiança, relativamente à política, relativamente aos políticos.

 Então, de certo modo, o tribunal tinha ali uma obrigação de julgar bem. Não é só um tribunal constitucional, é um tribunal de recursos, o que o torna mais visível. 

É sempre certo que, em casos desses, há sempre uma publicidade multiplicada. Não só pelo estatuto das pessoas — que estavam sendo julgadas —, mas porque há sempre uma certa opinião pública que pretende, em muitos momentos da vida coletiva, uma catarse, no sentido de alguma purificação. 

São esses os fatos suficientemente demonstrados: o Brasil tem necessidade da catarse, da purificação, da honradez, da justificação da legitimação do próprio poder político. 

Mas não acompanhei sistematicamente — todo o julgamento. Acompanhei à distância.

Como o senhor disse, é uma corte constitucional. Mas tratou-se de um caso penal. O que pensa desse acúmulo de funções?


Esse é um dos tópicos que eu tenho algumas dúvidas, de um tribunal com tanto poder. O tribunal brasileiro é dos tribunais com mais poderes no mundo.

É comum a avaliação de que o STF foi muito rigoroso no julgamento do mensalão. Na sua opinião, que risco pode correr se, nos próximos casos envolvendo políticos importantes, não trabalhar com o mesmo rigor?


Eu acho que o tribunal depende muito dos juízes, dos protagonistas que estão no tribunal.

 Ele é formado por pessoas, elas têm suas pré-compreensões, sua formação. Agora, eu entendo que o tribunal tem assinalado patamares que os vinculam a ele próprio. 

Portanto, a medida que vai criando precedentes, vincula-se a ele próprio. E ainda tem outra característica: aquilo que era uma norma concreta desconecta-se do caso concreto e passa a ser uma norma geral que vincula o tribunal e vincula o poder político.

 O que o tribunal já decidiu, vamos vincular como precedente, mas em termos abstratos. Por outro lado, o poder político também vai se sentir vinculado.

Os réus reclamam que foram julgados já originalmente no STF e agora não têm um segundo tribunal para recorrer. É uma violação?


Há um pouco de verdade nisso. Quando a gente diz que tem de ter sempre direito a recurso por uma segunda instância, para estar mais informado, é, em geral, nas questões penais. 

Ou seja, o duplo grau de jurisdição. Nós consideramos isso como um dado constitucional em questões penais. Isso é verdade.

Nunca um julgamento foi tão divulgado quanto este do mensalão. Além disso, há a TV Justiça, que transmitiu tudo ao vivo. Que avaliação faz dessa novidade?


Eu tenho uma visão conservadora quanto a isso. Os trabalhos do Supremo consagram audiência pública, a não ser quando há questões de reserva, de dignidade e segurança. 

Mas os tribunais sempre foram locais de publicidade crítica. Me custa mais a aceitar os novos tempos, aquilo ser transmitido para o mundo. 

Não sou das pessoas mais entusiasmadas com a TV Justiça. Eu não gosto muito.

Por quê? O senhor acha que interfere no comportamento do magistrado?


Pode não interferir. E acho que não podemos pôr assim as questões. Que perturba a espontaneidade do argumento e do contra-argumento, isso parece-me que sim. 

Por outro lado, as discussões que às vezes temos nos júris, elas ficam menos à vontade, pois estamos ali, não com a câmera escondida, mas com a câmera aberta. 

Quanto aos resultados em termos de justiça, não tenho argumentos para dizer que processo [transmitido pela TV] não seja justo. 

Possivelmente é um processo adaptado a um outro esquema, o sistema de publicidade crítica, que não apenas o da publicidade dentro da sala da audiência. Mas não gosto, não.

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